Ele encontrava-se numa daquelas manhãs que a solidão quer chegar de mansinho e para afastá-la liga-se a televisão, abre portas e janelas, coloca uma música... Sim, para se ter a sensação de não estar sozinho. Guarda-se a angústia no bolso e busca o céu azul, o dia luminoso, os livros e os cds, telefona-se para alguém ao acaso e o dia não naufraga como algum outro nos quais os traumas, os medos e os choros vieram à tona.
Era uma daquelas manhãs que ele não queria pensamentos confusos; queria a beleza do dia, talvez algum toque, um olhar, momentos que depois não virasse poeira... Se sentia como naquele conto de Caio Fernando Abreu: 'num deserto de almas também desertas', por isso, ouviria Loreena Mckennitt, acenderia incenso, fumaria um cigarro, faria chá, colocaria seus cristais ao sol, escreveria cartas... Mas a solidão não seria sua amiga naquela manhã.
O silêncio da casa foi invadido por sons de gaita, harpa, flauta e bodhran, a voz de Loreena o fez pensar em brisa, outono, alvorada, bosques... A música Celta tinha esse poder de fazê-lo sentir a natureza, o que, inclusive, eles mais respeitavam. Enquanto ele divagava, a campainha da porta soou interrompendo sua manhã, sua música, seu cigarro...
Na porta estava uma moça magra, mignon, óculos redondos realçando seus olhos azuis, num vestido colorido e com muitos colares, uma moça nem bonita e nem feia, naquela manhã, na sua porta. Ela se desculpou por estar ali, disse que morava no bairro, ouviu a música tocar longe e veio em busca daqueles sons, da pessoa que ouvia Loreena, algo inusitado para ela, ali, naquela manhã.
'Uma alma deserta reconhece de imediato a outra', ele pensou. A convidou para o chá, para o aconhengo de sua casa, para dividir com ele aquela manhã. E, aquele dois ficaram ali, ocupando o coração e a alma... Se iria virar poeira, se iria virar nada aquela manhã de julho, não saberiam...
(by, franck)
(imagem: internet)