sábado, 28 de junho de 2014

Quem sabe jogarei baralho?

Ontem cruzei a pé a ponte que interliga o centro antigo ao bairro novo. Do outro lado um arco-íris, mas queria era um cartão postal do azul do céu de São Thomé das Letras. Fiz esse pedido a Karla, que está lá, longe do mar e perto do céu.
Ontem cruzei a ponte São Francisco a pé, olhando o rio Anil com suas águas escuras, perguntando-me se elas desembocariam em Alcântara. Já cruzei todas as ruas dessa cidade, subindo e descendo suas ladeiras, por isso, queria nos meus intervalos conhecer outras vielas, becos e quem sabe cruzar alguma ponte de Veneza, do Brooklin ou Rio-Niterói.
Ontem ao caminhar sobre a ponte, quis visitar A. que está preso. Ele me telefonou pedindo um baralho, mas soube que nos presídios só permitem jogar xadrez e dominó. Quando ele voltar poderemos ter as mesmas conversas outra vez, como os méritos do suco de clorofila, a vida sexual das abelhas ou a dança nupcial dos albatrozes. Quem sabe jogar baralho.
Enquanto cruzava a ponte que liga a cidade antiga à moderna, ouvi tocar os dois relógios da igreja Nossa Senhora dos Remédios, há uma diferença entre eles de cinco minutos. Os relógios após o badalar das horas, silenciosos, são lindos e o Sol incinde nos seus ponteiros e nos vitrais da igreja. Um rapaz veio ao contrário de mim na ponte, pareceu bêbado, disse frases desconexas, apontou a igreja e o seu coração.
Ontem ao cruzar a ponte, uma das tantas pontes da Ilha, vi um daqueles crepúsculos típicos que só se ver numa ponte, fantásticos e fotogênicos, que pena A. e Karla não terem visto. Quis chegar em casa e me convencer que estou equipado para a velhice, porque agora tenho uma cadeira de balanço, livros acumulados para serem lidos, um jardim para cuidar e muitos roteiros de viagens... enfim, a conjunção de uma infinidades de coisas, como também repensar os sonhos da noite passada e consultar o tarô.
(by, franck)

Na tarde pós tempestade...

Na tarde pós tempestade, no céu pássaros voam como pequenas manchas enegrecidas, faiscantes. Se em casa estivesse, me sentaria numa cadeira de balanço com algum livro nas mãos. Veria H. desenhando cavalos, sua obsessão. Cavalos matando uns aos outros. Selvagens. Mas na tarde pós tempestade, tento comprar armários, vermelhos; encontro apenas armários azuis. Gosto da cor azul, 'quando o azul não desbotava', mas não são azul-céu, talvez azul-mar, os armários. Mesmo assim, compro-os.
Na tarde pós tempestade, o calor sufoca. Na parada de ônibus eu e uma moça negra, ela com um guarda-chuva, colorido, protegida, e, quase peço um pouco de sua sombra. Nas mãos tenho um enfeite de jardim, mais uma das minhas compras da tarde pós tempestade. Não sei se o enfeite é uma garça, uma pata, ou os dois em um só. Por isso, penso em cavalos. Nos pássaros. Queria outros bichos, algum melancólico como eu.
Na tarde pós tempestade, queria catar conchas. Um mergulho no mar. Uma ducha. Pensei nas conchas de Neruda, seu interesse, além da poesia. Quis sorvete, ser 'o imperador do sorvete', como no poema de Wallace Stevens. Mas continuo contemplando as manobras fascinantes e tortuosas dos pássaros no céu. Reflexos de luz sobre as águas cinzentas. Uma família circense num caminhão, eles anunciam seus espetáculos, como jogar cartas e outras coisas dependurados pelos cabelos; as mulheres com roupas exóticas, maquiadas e cobertas de bijuterias coreanas. Não sei porque mas penso em cidades fantasmas, filmes de faroeste, suicídios. Acho que os acrobatas nunca se suicidam.
Na tarde pós tempestade, quase noite, o efeito dos faróis dos carros é curioso. As árvores são todas amarelas. As flores do jardim balançam ao sabor da brisa. Penso em palácios em ruínas. Poços de elevador. Mas espero sonhar aviões.
(by, franck)

domingo, 15 de junho de 2014

Quando o dia se fizer noite...

No dia que nasceu quente, quero virar peixe. Nadar até o Japão. Gosto dos banhos mornos nos dias não suarentos, mas hoje a cidade cheira a sal. Algas. Mar. Nos portos os navios chegam e partem e eles parecem prisões. Assim como os navios, casas fechadas e escritórios são tão melancólicos. 
No dia que nasceu quente, na minha melancolia, tomo cafés. Atendo telefonemas. Mas queria o burburinho das ruas. Os cheiros que exalam do Oceano. Mas como bolo de chocolate. Penso em bonsais e espero o dia seguir seu curso, como os navios. Os portos. A cidade. O mar.
No dia que nasceu quente, cortarei os cabelos. Olharei os ninhos dos pássaros no jardim. Colherei tangerinas que são de umas cores antigas. Entre uma banalidade e outra, abrirei portas e janelas para os portos. Aos navios. Assim, a casa não sentirá tanta melancolia, nem eu, quando o dia se fizer noite.
(by, franck)

Viagem

Quando você viajou tentei encurtar as distâncias, mas deixei os caquis apodrecerem. Quebrei as louças. Não recolhi o lixo.
Quando você viajou, quis acelerar os dias e fiquei na fossa. Marquei uma consulta de tarô. Quis fazer malabares nos sinais.
Quando você viajou, dei para inventar algumas histórias. Não regar as plantas. Rasgar meus poemas e seus desenhos. 
Quando você viajou, sentir sua falta ao deitar. Ao acordar. Ouvi nossas canções. Fingir que as esfihas de frango eram de atum.
Quando você viajou, deixei a barba crescer. Não acender as luzes da casa. Não ligar a tevê.
Desde que você viajou, quero rajadas de vento. Chuvas de granizo. Até você voltar. Porque a saudade queima.
(by, franck)

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Eu e a cidade

O vigor da cidade não está na minha pele dark. No meu corpo cansado. Nos meus cabelos grisalhos. Talvez esteja nos casarões abandonados. Nos azulejos portugueses roubados. Nas praças sem árvores.
O vigor da cidade não está em em meus olhos vermelhos de sono e insônia. No meu coração apaixonado. Na minha pseudo-poesia. Talvez esteja nas lagoas poluidas. Nas praias com seus lixos descartados. Nos portos e seus navios com suas águas de lastro.
O vigor da cidade não está no meu proletariado. Na minha miopia. No meu peito sonhador. Talvez esteja nos mendigos que dormem sob as marquises e não são os acrobatas de Picasso. Nos pássaros que cruzam o céu. Nas periferias.
O vigor da cidade talvez esteja nas entranhas da cidade, quem sabe talvez em mim.
(by, franck)

O domador



Naquele outono ele disse que iria para o norte, que adestraria ursos para hibernarem no verão, quando o céu ficaria mais azul, os dias se alongariam e na floresta as árvores perderiam o colorido das folhas e flores e frutos e os rios se tornariam filetes d'água.
Naquele outono ele migrou deixando no sul seus livros. Sua varanda que passava os fins de tarde. Seus cafés. Seus discos. Uma quase paixão. Adentrou na floresta numa noite de lua, em busca dos ursos, que dançavam para o acasalamento, os quais ele adestrariam para não mais tomar banho de rios, nem uivar para a lua, mas sim, atender mímicas; porque ele faria dos ursos especimes de circo, acrobatas nunca vistos.
Naquele outono ele comeu da fauna e da flora da floresta que tinha adentrado, assim como experimentou chás de todas as ervas, aprendeu cantos de pássaros, visitou aldeias, perdeu roupas, deixou crescer barba, cabelo, unhas e cada vez mais percorreu veredas, rios, pântanos...
Quando o outono se vez outra estação, talvez inverno, os ursos domados, ele sentiu frio e numa caverna entrou para hibernar. Na cidade, na sua casa, um casal de ursos passaria aquela estação, hibernariam no urbano que foi dele.
(by, franck)

(Quem dá a volta ao zodíaco comigo...)

EU...

Minha foto
São Luís, MA, Brazil
Um brasileiro-nordestino, um cara comum, qlq um, como diria Caetano Veloso...