
A casa era a mesma. Não, não era, tinha mudado. O amarelo da fachada era azul, agora. A casa não tinha mais um portão, um jardim com joaninhas e o muro baixo no qual o menino ficava olhando a rua. A rua também não era a mesma, agora tinha prédios, asfalto e não era mais uma rua sem saída, com uma chácara, um sítio, algo assim, e, um riacho, muitas árvores e muitas joaninhas, também. A casa e a rua tinham mudado, o menino cresceu e nesta manhã, retornou; e, sente saudades de quando era menino naquela rua e naquela casa. Retornou fisicamente nesta manhã, pois sempre retornava aquela casa e aquela rua sem saída em manhãs e tardes e noites na sua memória. Quando estava alegre ou triste. Quando tinha frio ou medo. Naquela casa e naquela rua, o menino, hoje homem grande, ouviu histórias de lobisomem, brincou de cabra-cega e amarelinha, ouviu pela primeira vez Elis Regina, viu seu pai partindo e voltando de inúmeras viagens em navios ao redor do mundo, até não mais voltar de uma delas. Também naquela casa e naquela rua se apaixonou pela garota que voltava todas as tardes do riacho, e, o menino do seu muro contemplando encantado aqueles cabelos dourados com o sol poente. Mas um dia o menino dobrou a esquina daquela rua e deixou aquela casa para voltar apenas nesta manhã.
No jardim daquela casa amarela e naquela rua sem saída, o menino se encantou pelas joaninhas. Gostava especialemente das vermelhas com bolinhas pretas. Elas voavam. Eram vitrais. Havia muitas delas no jardim, na chácara do fim da rua, onde quer que fosse, havia joaninhas. Mas nesta manhã, as joaninhas sumiram, o homem-menino se perguntou quem nesses quarentas anos teria tido êxito em extingui-las: um vírus? O uso dos desodorantes roll? O asfalto que hoje impera na rua? O uso maciço dos inseticidas? O homem-menino não sabe, mas fica ali, na casa azul outrora amarela, naquela rua que não tinha saída, nesta manhã, buscando as joaninhas, buscando uma sombra pequena e volátil. Talvez uma última remanescente. O menino-homem, o homem-menino, busca suas joaninhas, nesta manhã.
(by, franck)
(imagem: olhares.com)