sexta-feira, 30 de julho de 2010

Respostas para uma pergunta

Perguntaram-me ontem quem eu sou, não soube responder ontem e nem saberia hoje, sou limitado, eu sei. Mas nesse fim de semana sou a introspecção de Clarice Lispector. Um poema de Adélia Prado. Um anjo dourado do outro lado do Oceano. O frio da serra catarinense no meu calor nordestino. Os filmes de Richard Linklater com Ethan Hawke e Julie Delpey. O mar vermelho de um aquário no Espírito Santo. As mangueiras de Belém do Pará para ficar mais sentimental. As margens do rio Guaíra. O cão danado de Ricardo Thomé solto na noite. O Ciclista solitário de Walter Moreira Santos. Uma personagem de Caio Fernando Abreu em 'Os dragões não conhecem o paraíso'. A chuva que molhou-me na última quarta-feira. As cores de Frida Khalo na parede branca. O sorvete de banana nas madrugadas insones. O pôr-do-sol que não contemplei ontem. O choro e o riso de Rafael Faller no Rio Grande do Sul. A alma de Federico no céu dos cães. A lua cheia que vejo de uma das janelas. O chá que esfria sobre a mesa para aliviar meu resfriado. As fotos amareladas estampando os sorriros da adolescência. O azul do céu de julho que minha mãe disse não conseguir mais admirar. O sotaque de Camille, minha amiga francesa. Os manguezais que cortam a Ilha. A voz de Nina Simone cantando, só para mim, blues. Os telhados do centro de São Luís apinhados de pombos ao amanhecer. A solidão de corpos adormecidos dos amantes. O beija-flor que visita meu jardim todos os fins de tarde. A moça da minha rua debruçada na janela todas as manhãs. O cheiro do doce de abóbora que invade a casa numa tarde de sábado. Um catador de conchas num domingo nublado. As mulheres das crônicas dos livros de Martha Medeiros... Eu sou... Eu sou... Quem eu sou? Talvez uma incógnita. Uma resposta. Uma pergunta. Um homem comum, qualquer um aqui, lá, acolá...

(by, franck)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Sem título


No meio dessa cidade
vi gente odiando gente
gente matando gente
gente pisando em gente.
Eu vi muito mal
ódio
falsidade.
Mas eu passei por tudo
pulei as mágoas e os desamores
me encontrei num outro estado
num estado sólido de amor e paixão.

(by, franck)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

S A U D A D E




Apesar de todo mar
eu naveguei.
Apesar de toda tristeza
eu gargalhei.
Para me encontrar contigo
numa Ilha do Pacífico que habita minha mente
nessa hora de tanta saudade.


(by, franck)

terça-feira, 27 de julho de 2010

(Para ler ouvindo 'Don't let me be misunderstood' com Nina Simone)


(Esse texto aconteceu após ler um post sobre um recado deixado na geladeira no blog de Suzana/Lily, para quem dedico o texto de hoje.)



As primeiras vermelhidões do crepúsculo espalhavam-se pelo céu. Para os lados do poente, o Sol ainda tentava contra a noite, grande bola vermelha que voltava desesperadamente para a companhia de todos os ontens. O calor começava atenuar-se, entrei na cozinha para tomar suco de maracujá, meu preferido, quando encontrei seu bilhete na porta da geladeira dizendo que voltaria na próxima estação ou na próxima primavera, não recordo, só sei que fiquei com o seu bilhete nas mãos, ali na cozinha, com a geladeira entreaberta, a jarra de suco no balcão da pia, esquecida, e a voz rouca de Nina Simone vindo da sala, me perguntando porque resolveste partir assim e onde estarias.
Saudade dói. Como doeu essa sua partida, deixei mensagens para você no celular e no seu email, várias por dia, como quem joga uma garrafa ao mar, como um S.O.S moderno, e, enquanto esperava seu retorno, procurava-a no perfume da moça da esquina, na brisa que acariciava seu vestido florido no varal, no cheiro de chocolate que invadia a varanda vindo da casa vizinha, nas tatuagens do rapaz fazendo malabares no sinal de trânsito, na formiga passeando na minha tez pálida, no skatista descendo a rua, na anciã da praça e seu crochet, nos blues que ouço nas madrugadas, no vinho tinto seco dos fins de semana, nos pratos alinhados na pia após o almoço, no cheiro de alfazema deixado nos lençóis, no calor das velas que trouxestes de uma viagem a Califórnia, nas ondas do mar de um passeio na orla num sábado à tarde...
Procurei você na folhinha, todos os dias, sem saber se já era primavera, outono, verão ou inverno, quando no domingo último, bem cedinho, você retornou como se tivesse apenas ido à padaria, ao mercado, ao salão de beleza... Retornou trazendo poesias, muitas, com as quais saciei minha fome e minha sede e minha saudade de você. Nada perguntei, feliz por ter você de volta, mas dissestes que esteve sempre presente no meu dia-a-dia, nos detalhes que procurei de você, que fostes uma pseudo-ausência...


(by, franck)

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O A d e u s


Pensei dizer-te adeus
mas não foste ao encontro marcado
o adeus
foi seu.

(by, franck)

sábado, 24 de julho de 2010

O amor, Clarice Lispector, Sartre e Eu...


Diante de um comercial de alianças de diamantes que mostra um lindo casal que viveu juntos dez anos, investi-me em tragédia: não seria todo o amor fadado à dor, uma vez que (enquanto apaixonar-se por outrem), amar um ser humano é amar o falível, o volúvel, o inconstante e tantas vezes o mundano? Clarice (a Lispector), diz da doçura de se ser falível. Mas ainda que amemos o falível, que dirá o mortal? Os amantes morrem, deixam de existir um para o outro um dia.
Será possivel amar mais esta fabilidade do homem, amar sua condição mortal e até sua morte? Meio Sartreano, isso. Acabei de reler 'As moscas' e achei um pouco didático demais. Ouvi uma palestra um dia sobre a moral em Sartre, onde disseram que ele falava do amor como relação de poder entre dois indivíduos e enfatizava o papel da dominação e do olhar na sedução (que é uma dominação). Mas, parafraseando Clarice Lispector, talvez ele nunca tenha sabido como é bom ser dominado? É bom, ser dominado, 'dominado'? Difícil pensar isso assim, 'a salvo', além de que as pessoas andam amorais, aéticas, podres. Não se pode jogar esse jogo sem pôr sua cabeça a prêmio...
(by, franck)

sexta-feira, 23 de julho de 2010

B U S C A




Pelas ladeiras dessa cidade
procurei restos de tuas pegadas.
Pelas esquinas
procurei sobras de teu perfume.
No meio da multidão agitada das ruas
procurei teu olhar.
Procurei-te por todos os lugares
te encontrei em mim.

(by, franck)

quarta-feira, 21 de julho de 2010

..."É doce morrer no mar"... (Dorival Caymmi)


O M A R



Acho que estou enlouquecendo. Acordo de manhã e pelas frestas da janela não vejo os raios do Sol, mas uma bruma branca e úmida que fere e cega meus olhos. Equívoco. O Sol brilha e o céu é azul, as nuvens escuras da noite passada se foram, o vento que bateu furiosamente nas portas e janelas, agora é uma brisa calma e quente que vem do mar. O mar... O mar... Não, isso não é para ser mencionado, estas histórias de mar, de ondas, de espuma branca, devem, definitivamente, ser abafadas.
Toca o telefone. Duas, quatro, seis vezes. Cambaleio ao me levantar, o corredor parece um navio numa tempestade. O aparelho pára de tocar ao me aproximar. Poderia ser você. Ou engano. Um amigo do Sul do país. Talvez liguem depois. Divago. Estou louco ou ainda bêbado? Pois desde que você se foi percorro nas noites todos os bares, boates, ruas. Saio por revolta, por dor, como quem bebe e se embriaga para fugir de si. Acordo com um gosto de sangue na boca, a cabeça pesada e olhos pastosos, como agora. E sinto um frio longe do teu colo. E esta manhã nua de você? Choro. Choro por nós. Ando pela casa aos tropeções e nem o café amargo me deixa mais lúcido. Gostaria qua a campainha da porta chamasse, o telefone tocasse de novo, encontrar uma carta sob a porta. Nada disso acontece, para me salvar. Nos canais do televisor as cores e imagens me chegam desbotadas e disformes. No som, as músicas saem com as notas distorcidas. Quero sair, mas minha hora é a noite. É nela que vivo agora. É nela que caminho. É dela que retiro a mais doce e às vezes a mais amarga gota de vida. E é nesse breu, neste escuro-oco da noite que procuro fadas, dragões, moinhos e ... amor. Pois você me abandonou. O que fazer para lembrar que a distância física não estanca a tesão? Que a distância física não diminue os sentimentos? Acho que você foi uma fantasia, uma viagem: uma bruxa em forma de mulher cruzou meu caminho, me enfeitiçou de amor e seguiu caminhando na manhã. Foi num sábado, numa madrugada fria.
Ouço barulhos na rua. Sirenes. Passos. O vento na cara limpa. Os gatos, os cães, os ratos, as mãos que gritam por ajuda. Miséria. Meu coração sofre por tudo isso e por amor. Fantasio tudo. Fantasio você. Ouço motores de carros e motos. Um desespero? Uma saída? Olho e lembro que é carnaval, lá fora é terça-feira de carnaval, aqui dentro destas salas e quartos que percorro como um minoutauro num labirinto também é terça-feira, mas não é carnaval. Sinto teu cheiro, escuto tua voz , não sei se é loucura ou solidão. Se a Lua surgisse agora no pequeno pedaço de céu que avisto, eu choraria. Nenhum som pertuba a visão que tenho do teu rosto. Beijo teus olhos deixando a marca do meu batom, ou do teu? Toco teu corpo e lacro tua boca com minha língua. Silencio o silêncio. Você me prende pelo olhar, teu negro olhar, tão escuro como o fundo do poço que navego agora. A visão depende da claridade da mente. A lágrima alaga a visão. O medo ilude a mente. Cavo túneis em minha mente e te procuro em esconderijos dentro de mim. Ontem a tarde, no céu azul da Ilha traçaram um risco de giz, na extremidade, uma seta metálica indicava um caminho que atravessava o horizonte. Você estaria lá do outro lado? Uma trilha. Uma luz. Uma porta. Tua voz. Teus olhos...como enfrentarei a cor dos teus olhos com os meus tão opacos e cansados de me perder de você? Como me verei refletido nos teus olhos? Como a abraçarei com meu corpo molhado de lágrimas e chuva? Me iludo que não consigo viver sem você porque essa ilusão é necessária para a minha sobrevivência e se teu fantasma desaparecer de mim, como irei justificar uma vida vazia? Destrua minhas forças ou te devoro. Me conceda um pouco de inspiração para que esta noite possa sonhar com você. Me abraça forte e durma comigo. Leva-me para correr na noite deserta de uma praia distante, leva-me até onde nunca chegaremos. Leva-me apenas. Leva-me contigo e me conte histórias antigas. Minha dor de amor se confunde com a dor de fome de um povo. Meu amor, onde está você?
Dormirei outra vez. Sonharei ou terei pesadelos. Mais uma vez anoitecerá e acordarei. Nem sei o que me basta. É o que acontece quando estamos fragilizados: a fragilidade nos deforma como um espelho de parque de diversões, ampliando e reduzindo-nos, fazendo de nós, de nossos sentimentos, caricaturas às vezes divertidas e outras, não. Talvez vá caminhar, jogar vídeo-game, simplesmente respirar o ar quente da noite, entrar em algum bar ou meu louco olhar percorrerá o horizonte do mar. Este você. Ouvirei a voz do mar a me chamar... A me chamar... Você me chamar. As gaivotas. As ondas. O mar... e relembrarei e verei você no mar. Não, isso não é para ser mencionado.

(by, franck)

terça-feira, 20 de julho de 2010

..."me sinto uma andorinha baleada na asa"... (Zeca Baleiro: 'Você se foi')


E s p e r a



Enquanto minha preguiça não passa
enquanto a chuva não cessa para mostrar a Lua
enquanto o Sol não dá a alegria de ver brilhar de novo
te aguardo
de sorriso aberto
de mãos estendidas
com um beijo louco de paixão e saudade.
Fique junto comigo
porque a única opção de futuro
é a nossa união.

(by, franck)

domingo, 18 de julho de 2010

Fogo-Fátuo

Nessas manhãs que acordo dentro delas
café com pão não me basta
quero a faca
virar pássaro
porque do alto eles têm a certeza que serão salvos.
Nessas manhãs que acordo dentro delas
quero o veneno mais lento
revirar gavetas
armários
álbuns de fotografias
desejar o inferno
depois o céu
ser eterno.
Nessas manhãs que acordo dentro delas
barbear-me não importa
quero apenas as lâminas
o vôo da montanha-russa
o cheiro do incenso e das velas coloridas
o vermelho dos pulsos
ser invadido de pedra e cal.
Nessas manhãs que acordo dentro delas
não quero olhar o sol
nem óculos escuros
quero ser asas de borboletas
passeando perdidas por seu corpo nú
até nos tornarmos metáforas
anáforas
neon
fogo-fátuo.

(by, franck)

sábado, 17 de julho de 2010

Uma carta esquecida nas gavetas

..."porque mistérios há de sempre pintar por aí/até que nem tanto esotérico assim"...
(Gilberto Gil: 'Esotérico')



Querido Sílvio, esta carta será escrita para o limbo, é assim que eu a sinto. Uma mensagem numa garrafa ao mar, eu o náufrago, a garrafa ao mar porque os correios estão de greve, a carta ficará perdida entre milhares, milhões, num congelamento, suspensa, e não deixa de ser mágico o momento de você recebê-la, depois dela ter ficado ali, esquecida. O náufrago sou eu, e já há tempos fabrico minhas bonanças, nem que seja pelo desencadear de outras tempestades, como no caso do emprego.
Talvez fosse demais repetir, mais trata-se de um sentimento e não de uma cobrança, pressão, exigência ou súplica: seria, melhor, você faz muita falta aqui, às vezes... sentir sua falta é um sentimento difuso, por vezes agudizado: uma noite, um fim de noite, uma paisagem noturna (nossas são as noites, e não os dias). Gostaria de levar você na casa de Elizabeth e Andréia, minhas (atualmente únicas quanto à convivência) amigas; como um namorado meu, introduzir você neste círculo de convivência tão legal (mas à noite também movem-se as sombras, e me (re)descubro egoísta, sentindo sua falta, você aqui intensamente para depois como que renegá-lo, uma vez que você não está próximo e talvez não saibamos quem somos).
Estou quase terminando a biografia do Foucault (muito interessante). Na fila, a 'História da Sexualidade - 1' - a vontade de saber, dele, começada e interrompida e mais uma tentativa de leitura do difícil Lacan (mas mistérios sempre há de pintar por aí).
O último filme (em vídeo) foi o maravilhoso 'A malvada', com Bette Davis ( em algum lugar de mim, um alter-ego) e 'Henry & June, lindo e lindo. Está passando em cineclube 'Cinema Paradiso', e penso em revê-lo pela terceira ou quarta vez (isto é, não sei se irei ou não,me faria bem!).
Em tempo: Julinha não pertence mais a este mundo (noutra carta comento a história desta frase) perdi minha pianista particular e amiga- e não posso dizer o que é esta perda, é e foi. Mas aguardo uma carta sua, falando de você, de mim e de nós. Encerro aqui, sob o signo da perda, do abandono. Seu perdido. Beijos.
Franck.
PS: Sílvio, para quem escrevi e nunca enviei essa carta, não pertence mais a este mundo (?), hoje, 17/07, fazem cinco anos que ele se foi para alguma nuvem ou buscar o fim do arco-irís...

sexta-feira, 16 de julho de 2010

C A S O S


Na minha cabeça
ouço vozes
de todos os homens e mulheres
que me possuiram.
Trago no corpo
todas as cicatrizes
beijos e carinhos
como tatuagem.
Comigo
tenho todos os signos, carmas e neuras
de quem convivi.
Nas minhas andanças
trouxe e deixei marcas
pedaços do coração
para ficar eterno como todos que passaram por mim.

(by, franck)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

..."adeus também foi feito pra se dizer"... (Guilherme Arantes: 'Pedacinhos')

Canção de Adeus


No dia, de manhã bem cedinho, ela chegou com seu peito arfante
e um pequeno silêncio de cão
recostou-se em meu colo, abraçou minhas almofadas
recitou alguns versos que eu julgava desconhecer.
De súbito, lançou as almofadas contra as paredes da casa
olhou-me com piedade
e partiu antes que eu pudesse acenar-lhe um lenço.
À tarde ela retornou e daí a reconheci
tentei impedir que ela passasse por minhas portas
mas não pude
mais uma vez ela pousou suas asas em meu leito
se disse cansada de seus vôos
cantou-me uma ou duas canções de ninar suavemente
no que adormeci.
Então, vendo-me tão desprotegido, de olhos cerrados
em um sono profundo
abriu as venezianas e voou alto, atravessando uma nuvem branca e úmida
roubando as palavras que outrora eu tinha nos lábios.
Cai a noite, fecho portas, janelas e frestas pelas quais
ela poderia se inserir.
Tolo que sou!
Descubro-a dentro de um cinzeiro
entre cinzas de sonhos que ela mesma queimou.
Tolo que sou!
Aninho-me entre suas asas quentes
respiro seu ar frio
enquanto ela não se vai.
Tolo que sou, desta vez, canto com ela
sua canção de adeus
enquanto sumimos como um ponto no horizonte.

(by, franck)



terça-feira, 13 de julho de 2010

Post-Scriptum





















Você me triturou
me cozinhou em banho-maria
me fez seu prato do dia
lambeu os lábios e os dedos.
Só esqueceu de informar-se
dos efeitos colaterais.

(by, franck)

segunda-feira, 12 de julho de 2010

P A S S I O N A L


















À
NOITE
RESOLVI
MATÁ-LO
POR
DENTRO
E
POR
FORA.

(by, franck)

domingo, 11 de julho de 2010

INSÔNIA


Esta noite passando por mim. Insônia. Cigarro. Computador. Pensamentos em você, também dentro de mim, 'que não é veloz'. Noite que se arrasta, como uma cantilena. Oração sem fim. Sucumbirei ao Sol, feito um vampiro. Sem forças. Sem tato. Sem olfato. Zumbi, eu, sem você, dentro dessa noite em mim, será que você também sucumbe sem mim?

(by, franck)

sábado, 10 de julho de 2010

..."aquele que vive sentado nas docas debaixo das gaivotas"... (Arnaldo Antunes)






O Albatroz


O albatroz solitário fez ninho sobre o convés abandonado do navio
e pôs um ovo.
Na cidade um menino estudava trompete
a príncipio uma música descozida e qualquer
mas o albatroz, sensível, tomou para si este canto sem dono e inútil
e disse: será o canto do seu primeiro entardecer, filho
quando as aves estiram longamente suas asas
limpam suas penas e adormecem sem dessassosego.
Mas os dias se passaram e o ovo não vingava sobre o casco
progressivamente mais longe do céu.
O albatroz não procurou mais uma canção
inaugurando os momentos de seu pequenino como o natal e seus presentes
um a um.
O albatroz ficou em silêncio e as minhocas e insetos ressequiram-se
ou desapareceram do convés.
A Lua ia alta no céu quando a água umedeceu-lhes as patas
como num doce aviso ignorado.
O ninho se desfez ao nascer do dia.
O menino não tocou mais trompete
nem nenhum instrumento
cresceu.
Tornou-se um grande financista e dedicou-se à caça aos pombos.

(by, franck)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Uma história quase azul


..."ele abriu a boca, mas antes de repetir as mesmas coisas ouviu o clique do fone sendo colocado no gancho do outro lado da cidade"...
(Caio Fernando Abreu-'Pela passagem de uma grande dor')




Madrugada de sábado. A tevê ligada sem som, só o lusco-fosco da tela azulada, um filme antigo, uma cena num aeroporto, olho um pouco e volto a me concentrar numa leitura vã. Lá fora buzinas de sirenes, motores de carros e motocicletas, pios de pássaros. O telefone toca. Me assusto ao primeiro toque, penso não atender, mas atendo-o ao sexto toque.
-Alô!
-Oi, Miguel, acordado? Acordei você?
-Não, Marina, algum problema? Aconteceu alguma coisa?
-Não... Sem sono... Como sei que você também tem insônia... Estava fazendo o quê?
-Lendo, ou tentando... É a biografia de Jack Kerouac... Meio chatinha. E você?
-Hum... Hum... Estava vendo um filme antigo, preto e branco. Casablanca. Terminou. Já tentei ler, escrever, ouvir música, tomar chá, leite morno com mel, e... não consigo dormir.
-Insônia é terrivel... Sabemos disso, Marina. Que horas são? Vamos sair para tomar algo? Ver o sol nascer na praia? Já está amanhecendo?
-Acho que sim, Miguel. É, está amanhecendo, abrir a janela, vejo uns raios vermelhos no céu, a cor da manhã chegando. Mas não quero sair. Vou tomar um banho quente. Telefonei para ouvir sua voz... Você viu os corpos caindo? Parecia chuva de vida!
-Corpos caindo? Quando? Onde? Que corpos, Marina?
Do outro lado da linha, silêncio. Espero um tempo crucial. Ouço ruídos. Chiados. Falhas na comunicação? Marina não responde meus alôs. Levanto-me, saio para a quase manhã, o vento frio enregela meu corpo, percebo que não me agasalhei. Ligo o carro e nas ruas vazias em direção a Marina, a sua casa, silenciosamente faço uma prece, eu que nem sei rezar, orar, fazer preces. Silenciosamente, peço para que não seja de Marina um dos corpos que se fez chuva, chuva de vida, nesse início de sábado.

(by, franck)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

..."manhã chegando, luzes morrendo, nesse espelho, que é nossa cidade"... (Caetano veloso: 'Lua e Estrela')





N o T u R n O



Nos encontramos nos labirintos noturnos
quando tateávamos o nada
sem saber o que faríamos das esquinas
dos nossos corpos tão próximos.
Signo, arcano, nossos nomes
foram senhas
descobrimos sermos da mesma tribo.
Nos fliperamas garotos não nos viam
nem os michês nas calçadas
ou as prostitutas nos bares
quem não se oferecia?
Nas vitrines das lojas manequins riam
todos parecíamos saídos da mesma máquina
mas não sabíamos a quem a noite pertencia.

(by, franck)

domingo, 4 de julho de 2010

..."a via-crúcis do corpo/o mundo caminha assim/a via-crúcis da alma/essa nunca vai ter fim"... (Cazuza)


"Meus heróis morreram de overdose."
(Vinte anos sem Cazuza)


Na tarde do dia 19.01.82, fazia muito calor nesta cidade, era uma tarde normal de um dia normal e não passaria disto não fosse a notícia trazida por um colega de escola. Notícia que alterou significativamente, não só aquela tarde como também minha cabeça. ELIS MORREU. Foi como se ele tivesse fincado uma faca em meu peito. Lembro apenas que falei: 'fiquei orfão'. Daquele momento em diante, quem cantaria minhas dores?
Apartir daquele dia, me agarrei a Caetano Veloso, como se fosse um 'coelho de pelúcia', comecei a curtir Caetano adoidamente, até que um dia, caminhando pela cidade mendigando carinho, atenção, afeto, escutei uma música que vinha de uma loja de discos; chamou-me atenção uma frase: 'ser teu pão, ser tua comida, todo amor que houver nessa vida'... Entrei, perguntei quem era e a balconista estendeu-me o disco: Barão Vermelho. Era completamente desconhecido para mim, mas eu queria. Em casa escutei todo o disco e fiquei de quatro. Poesia viva. Havia sangue, pulsação, suor, dor, lágrimas em cada sulco do disco. Naquele momento tornei-me um macaco do CAZUZA.
Na manhã do dia 07.07.90, uma manhã cinzenta nesta cidade, a locutora da rádio interrompe a programação e comunica: 'Gente, Cazuza morreu!'. Sentir uma tristeza, um nó na garganta, mas em vez de chorar, comecei a cantar 'Maior abandonado', 'Condinome beija-flor', 'Exagerado' e tudo que lembrava. Sair, fui para a rua, olhei para o céu, para a cara das pessoas caminhando nas calçadas, para o policial controlando o trânsito. Parecia que nada tinha acontecido. Sentir vontade de gritar: 'Morreu um tremendo poeta, morreu um cara que acreditava no amor e apostava na vida. Morreu uma idéia, um estilo. E eu estou viuvo!' Mas eles não entenderiam nada. Eles estão corroidos pelo sistema. Quem me consolaria? Caetano Veloso? Angela Rorô?
A geração de 60 e 70 fizeram minha cabeça ao romperem com todas as barreiras impostas. Mas o cifrão corrompeu nossos sonhos de ideologia. Fomos atropelados na estrada quando começamos atraver-nos a andar de mãos dadas pelas avenidas, as patas sujas e pesadas do cifrão pisotearam nossas cabeleiras floridas. Não há mais com o que sonhar. Quando Lennon proclamou o fim do sonho, eu ri, porque acreditava que após o término de um sonho aconteceria outro e outro e ad infinitum. Hoje reconheço o quanto Lennon estava certo.
Resta-nos, resta-me homenagear Elis e passar o dia ouvindo-a, resta-me homenagear Cazuza e ouvi-lo o dia inteiro no dia 07/07, dia de vinte anos sem ele, que façamos isso, ouvi-lo nesse dia!
(by, franck)

sábado, 3 de julho de 2010

..."desculpe eu vir assim sem avisar"... ('Alô, liberdade': Chicas)





L i b e r d a d e



Há dias
que saio de dentro de mim
abro portas
portões
janelas
porões
alçapões
para o amor não sentir-se aprisionado.
(by, franck)



quinta-feira, 1 de julho de 2010

(Leia ouvindo Adriana Calcanhoto)


Ausência


Após seis meses de sua ausência, dentro dos quais esperei o telefone chamar e ouvir sua voz do outro lado da linha, a campainha da porta tocar e quando abrisse, visse reu rosto e aquela expressão meio angustiada que você sempre tinha (tem), esperar um recado, uma carta, um email, nada disso aconteceu, apenas meu luto, que a cada dia foi sendo curado com lágrimas, tentativas de outros relacionamentos, apagando seus vestígios pela casa, evitando os lugares que fomos, assim como os amigos em comum.
Após seis meses de sua ausência, quando meu luto por sua partida, como uma bruma numa manhã, se desfez; quando as feridas poderiam ser remexidas que não mais sangrariam, quando, enfim, deixei de ouvir a música de Adriana Calcanhoto ('ainda tem o seu perfume pela casa, ainda tem você na sala'), que foi minha trilha sonora nesse tempo, revejo-a num encontro casual. E, vens me falar de pôr-de-sol na praia, das flores nos cabelos quando cuidava do jardim, das fotografias que ainda tens de nós dois, de nosso sonho de ter uma casa no campo, dos jantares na varanda à luz de velas e regado com vinhos, do luar nos acampamentos que fizemos, dos fins de semana nos Lençóis Maranhenses, das férias mergulhando em Fernando de Noronha, das tatuagens com ideograma chinês que fizemos iguais, das tardes no escuro do cinema, dos livros de Clarice Lispector que deixaste, dos cds de Zeca Baleiro que levaste, do prazer do vento no rosto das tardes na praia, do sabor do sorvete de jaca que só encontrávamos na sorveteria da esquina da nossa casa...
Após seis meses de sua ausência, não venhas me contar de você, não venhas querer saber de mim, não venhas relembrar dessas coisas que vivemos, que fizemos... Após esse tempo sem vê-la, apagou a chama da saudade, o tremor das pernas, o nó do peito e da garganta, suas lembranças nem são mais as minhas.
(by, franck)

(Quem dá a volta ao zodíaco comigo...)

Previsões dadas...

EU...

Minha foto
São Luís, MA, Brazil
Um brasileiro-nordestino, um cara comum, qlq um, como diria Caetano Veloso...