quarta-feira, 21 de julho de 2010

..."É doce morrer no mar"... (Dorival Caymmi)


O M A R



Acho que estou enlouquecendo. Acordo de manhã e pelas frestas da janela não vejo os raios do Sol, mas uma bruma branca e úmida que fere e cega meus olhos. Equívoco. O Sol brilha e o céu é azul, as nuvens escuras da noite passada se foram, o vento que bateu furiosamente nas portas e janelas, agora é uma brisa calma e quente que vem do mar. O mar... O mar... Não, isso não é para ser mencionado, estas histórias de mar, de ondas, de espuma branca, devem, definitivamente, ser abafadas.
Toca o telefone. Duas, quatro, seis vezes. Cambaleio ao me levantar, o corredor parece um navio numa tempestade. O aparelho pára de tocar ao me aproximar. Poderia ser você. Ou engano. Um amigo do Sul do país. Talvez liguem depois. Divago. Estou louco ou ainda bêbado? Pois desde que você se foi percorro nas noites todos os bares, boates, ruas. Saio por revolta, por dor, como quem bebe e se embriaga para fugir de si. Acordo com um gosto de sangue na boca, a cabeça pesada e olhos pastosos, como agora. E sinto um frio longe do teu colo. E esta manhã nua de você? Choro. Choro por nós. Ando pela casa aos tropeções e nem o café amargo me deixa mais lúcido. Gostaria qua a campainha da porta chamasse, o telefone tocasse de novo, encontrar uma carta sob a porta. Nada disso acontece, para me salvar. Nos canais do televisor as cores e imagens me chegam desbotadas e disformes. No som, as músicas saem com as notas distorcidas. Quero sair, mas minha hora é a noite. É nela que vivo agora. É nela que caminho. É dela que retiro a mais doce e às vezes a mais amarga gota de vida. E é nesse breu, neste escuro-oco da noite que procuro fadas, dragões, moinhos e ... amor. Pois você me abandonou. O que fazer para lembrar que a distância física não estanca a tesão? Que a distância física não diminue os sentimentos? Acho que você foi uma fantasia, uma viagem: uma bruxa em forma de mulher cruzou meu caminho, me enfeitiçou de amor e seguiu caminhando na manhã. Foi num sábado, numa madrugada fria.
Ouço barulhos na rua. Sirenes. Passos. O vento na cara limpa. Os gatos, os cães, os ratos, as mãos que gritam por ajuda. Miséria. Meu coração sofre por tudo isso e por amor. Fantasio tudo. Fantasio você. Ouço motores de carros e motos. Um desespero? Uma saída? Olho e lembro que é carnaval, lá fora é terça-feira de carnaval, aqui dentro destas salas e quartos que percorro como um minoutauro num labirinto também é terça-feira, mas não é carnaval. Sinto teu cheiro, escuto tua voz , não sei se é loucura ou solidão. Se a Lua surgisse agora no pequeno pedaço de céu que avisto, eu choraria. Nenhum som pertuba a visão que tenho do teu rosto. Beijo teus olhos deixando a marca do meu batom, ou do teu? Toco teu corpo e lacro tua boca com minha língua. Silencio o silêncio. Você me prende pelo olhar, teu negro olhar, tão escuro como o fundo do poço que navego agora. A visão depende da claridade da mente. A lágrima alaga a visão. O medo ilude a mente. Cavo túneis em minha mente e te procuro em esconderijos dentro de mim. Ontem a tarde, no céu azul da Ilha traçaram um risco de giz, na extremidade, uma seta metálica indicava um caminho que atravessava o horizonte. Você estaria lá do outro lado? Uma trilha. Uma luz. Uma porta. Tua voz. Teus olhos...como enfrentarei a cor dos teus olhos com os meus tão opacos e cansados de me perder de você? Como me verei refletido nos teus olhos? Como a abraçarei com meu corpo molhado de lágrimas e chuva? Me iludo que não consigo viver sem você porque essa ilusão é necessária para a minha sobrevivência e se teu fantasma desaparecer de mim, como irei justificar uma vida vazia? Destrua minhas forças ou te devoro. Me conceda um pouco de inspiração para que esta noite possa sonhar com você. Me abraça forte e durma comigo. Leva-me para correr na noite deserta de uma praia distante, leva-me até onde nunca chegaremos. Leva-me apenas. Leva-me contigo e me conte histórias antigas. Minha dor de amor se confunde com a dor de fome de um povo. Meu amor, onde está você?
Dormirei outra vez. Sonharei ou terei pesadelos. Mais uma vez anoitecerá e acordarei. Nem sei o que me basta. É o que acontece quando estamos fragilizados: a fragilidade nos deforma como um espelho de parque de diversões, ampliando e reduzindo-nos, fazendo de nós, de nossos sentimentos, caricaturas às vezes divertidas e outras, não. Talvez vá caminhar, jogar vídeo-game, simplesmente respirar o ar quente da noite, entrar em algum bar ou meu louco olhar percorrerá o horizonte do mar. Este você. Ouvirei a voz do mar a me chamar... A me chamar... Você me chamar. As gaivotas. As ondas. O mar... e relembrarei e verei você no mar. Não, isso não é para ser mencionado.

(by, franck)

22 comentários:

  1. "Me iludo que não consigo viver sem você porque essa ilusão é necessária para a minha sobrevivência e se teu fantasma desaparecer de mim, como irei justificar uma vida vazia?"

    Não preciso costurar comentários...

    E obrigada por sempre passar no meu blog, gosto da atenção q me concedes.

    Bjão!!!

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  2. Inimigo não propriamente, mas a pessoa que deveria ser uma amiga por natureza e que na verdade não é.
    Nem a sei conhecer.

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  3. Ai quanta ansiedade, sim é isso mesmo que acontece, eu penso, não tenho certeza, mas talvez já saiba não sobrepujar meus sentimentos as paixões que sequer permanecem para o café da manhã... Mas a falta de paixões também nos deixa fragilizados... Belo texto!

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  4. Oi, Franck!

    Lindo teu texto! Denso, carregado de sentimento!
    Gostei muito da tua forma de escrever! A imagem que mais me tocou e "falou" comigo foi:

    " aqui dentro destas salas e quartos que percorro como um minoutauro num labirinto"

    Quantas e quantas vezes já estive nesta posição, sem nunca, no entanto, ter pensado nesta imagem que você tão bem coloca!

    Um abraço,

    neli

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  5. Olá Franck, que beleza de texto para ler neste inicio de noite...lembra os meus próprios sentimentos sob outra ótica...o mar é pano de fundo, algo maior se esconde entre as palavras. Beijos

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  6. não tens de agradecer, e obrigado por me seguir e me dar atenção neste meu cantinho (:

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  7. Essas ausências nos pegam de vez em quando e nos põem assim. Muito bem descrito o seu texto, é assim que acontece e a gente nem se dá conta de que o sol chega no outro dia e nos passa um atestado de esperança. Beijos!

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  8. Querido Franck,

    Ler-te é contactar como essas dores humanas (tão humanas) qe nos acometem indistintamente...
    E tudo que pode ser dor e tormenta fazes ficar cativante. E me tragas para essa Ilha, por hora não tão ensolarada

    Abraços!!!
    Mônica

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  9. Nesse, eu tenho que elogiar vc como sempre!...
    ...dizer que vc redjiu mto bem o que sinto *-*
    FOI QUASE ME OLHAR NO ESPELHO!

    "O mar... e relembrarei e verei você no mar. Não, isso não é para ser mencionado." *--*

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  10. ...ainda bem que existe o mar para nos ajudar
    a lavar nossas dores de amor.

    ah
    e no mar tem mais peixinhos que
    no meu aquário...rsrs

    beijo, querido.

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  11. Oi Franck, tudo bem?
    Menino, forte heim o texto? rs
    Seja o mar, o vento, sempre nos ajudam a nos "livramos" de alguns sentimentos, sensações.
    Menino, a carta foi pra tu tbm eheheh
    Abração

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  12. "E esta manhã nua de você? Choro"...nossa...que texto lindo, mas triste...
    O mar..ah, o mar também me trás lembranças...boas e velhas lembranças. Mas o vento me alcançou, me levou pra longe do mar...e hoje na segurança do abraço de um vento forte, o mar... ja nem o ouço me chamar...!
    Lindo demais teu texto Frank!
    Mas experimente se deixar levar pelo vento, ele pode muito bem te levar a lugares em que vc nunca sonhou estar...!
    bjosssssssssssss

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  13. "Nem sei o que me basta. É o que acontece quando estamos fragilizados: a fragilidade nos deforma como um espelho de parque de diversões, ampliando e reduzindo-nos, fazendo de nós, de nossos sentimentos, caricaturas às vezes divertidas e outras, não. "

    Espelhos, mentirosos sinceros e cruéis espelhos da alma.

    Adorei!

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  14. Olá Franck!

    Fragilidade é difícil de se lidar, ficamos completamente perdidos, fora de nós mesmos. Você soube se expressar muito bem. Adorei, parece que estamos caminhando dentro de casa mesmo e sentindo falta até do que nem conhecemos... rs

    Beijo!

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  15. Oi, Franck! A gente sempre on line juntos! Você enviou o recado às 17:10, eu o li às 17:11, mas fiquei escondida... estou na minha fase bola... quem sabe um dia eu consiga escrever sobre isso... fase bola. Não quero voltar antes da minha primavera apesar da saudade. Coisas do coração, sem explicação, sem razão, mas eu volto, eu voltarei. À noite, eu voltarei aqui, quero ler este teu texto bem devagar.
    Saudades, acho que vou passar a ouvir Nina Simone.

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  16. Oi Franck!

    Que texto lindo!
    Vc me fez ficar aqui pensando nisso tudo! Aliás, seus textos sempre me fazem refletir!
    Pensei que talvez momentos como esse de fragilidade nos proporcionam entrar de fato em contato com o que estamo sentindo...
    E por favor, não abafe 'estas histórias de mar, de ondas, de espuma branca'...
    Elas nos alimentam!
    Beijo grande!

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  17. Alguém pode duvidar da foto, mas, na minha praia, as gaivotas, no final de toda tarde, se enfileiram diante do mar, para ver o pôr do Sol (igual aos anjos do filme "Cidade dos Anjos"). Se a gente passa e faz bagunça com elas, dá isso aí da foto. Depois, elas, persistentes, retornam aos seus postos.
    Li o texto várias vezes. Me fez lembrar de algo que li hoje, pela manhã.
    De todos os teus textos, considero esse o número um (considera que não tive tempo de ler todos ainda, cheguei outro dia).
    As gaivotas fazem igual e muita gente sente igualzinho ao que você escreveu. E você escreveu com riqueza de detalhes, deixou a gente dar uma volta com você.
    Súplicas de amor me doem, lembranças, "saio por revolta, por dor", "nada disso acontece para me salvar", "minha dor de amor se confunde com a dor de fome de um povo"...
    Por que o mar faz sempre a gente se lembrar de alguém?
    Lindo, lindo, Franck!
    Um abraço!

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  18. é como se o ser se perde-se e se encontra-se nos mistérios e na magia do mar

    lindo

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  19. Oi querido Franck!
    Sou suspeita qdo o assunto é MAR. Paixão pura!!
    E a sensibilidade presente em teus textos, tbm tem uma profundidade especial.

    bjok
    =)

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  20. É Frnck, as fragilidades nos deformam fisica e internamente. Não sei se sou um monstro ou suave coisa...
    Franck, escreve um livro!!!!!!!
    Bjs

    E o nosso milagra azul:

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  21. Olá Franck, gostei deste texto, muito bem extruturado e escrito de forma poética. Perdidos num emaranhado de sentimentos, de perda, paixão, tristeza,solidão e lembrança e o mar que sempre nos acalma é o poder da natureza projectado em nós.

    Tem um bom fim de semana amigo.
    Beijinhos

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  22. Bela descrição sobre os sentimentos da ausência. Ausência amorosa, afetiva, companheira que tanto necessitamos. Essa falta sempre nos suspende. Parabéns mais uma vez, amigo.

    Abraços!

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