Na tarde pós tempestade, no céu pássaros voam como pequenas manchas enegrecidas, faiscantes. Se em casa estivesse, me sentaria numa cadeira de balanço com algum livro nas mãos. Veria H. desenhando cavalos, sua obsessão. Cavalos matando uns aos outros. Selvagens. Mas na tarde pós tempestade, tento comprar armários, vermelhos; encontro apenas armários azuis. Gosto da cor azul, 'quando o azul não desbotava', mas não são azul-céu, talvez azul-mar, os armários. Mesmo assim, compro-os.
Na tarde pós tempestade, o calor sufoca. Na parada de ônibus eu e uma moça negra, ela com um guarda-chuva, colorido, protegida, e, quase peço um pouco de sua sombra. Nas mãos tenho um enfeite de jardim, mais uma das minhas compras da tarde pós tempestade. Não sei se o enfeite é uma garça, uma pata, ou os dois em um só. Por isso, penso em cavalos. Nos pássaros. Queria outros bichos, algum melancólico como eu.
Na tarde pós tempestade, queria catar conchas. Um mergulho no mar. Uma ducha. Pensei nas conchas de Neruda, seu interesse, além da poesia. Quis sorvete, ser 'o imperador do sorvete', como no poema de Wallace Stevens. Mas continuo contemplando as manobras fascinantes e tortuosas dos pássaros no céu. Reflexos de luz sobre as águas cinzentas. Uma família circense num caminhão, eles anunciam seus espetáculos, como jogar cartas e outras coisas dependurados pelos cabelos; as mulheres com roupas exóticas, maquiadas e cobertas de bijuterias coreanas. Não sei porque mas penso em cidades fantasmas, filmes de faroeste, suicídios. Acho que os acrobatas nunca se suicidam.
Na tarde pós tempestade, quase noite, o efeito dos faróis dos carros é curioso. As árvores são todas amarelas. As flores do jardim balançam ao sabor da brisa. Penso em palácios em ruínas. Poços de elevador. Mas espero sonhar aviões.
(by, franck)
..."a lua completa mais de uma volta pelo zodíaco. E o anjo pálido troca o mel pelo sal"... (Caio F. Abreu)
Nenhum comentário:
Postar um comentário