domingo, 19 de abril de 2015

Um blues no domingo


Há coisa melhor que acordar com músicas? H. não gosta, se irrita. Mas é domingo, descobri que faz sol após o céu pesar sobre a cidade uma semana. Bom para ouvir blues, regar as plantas da varanda e tomar café na padaria. A previsão é de sol,mas não acredito em previsões, porque a Terra não é o centro de todos os corpos celestes, porque não somos o centro na cadeia da vida e Freud disse que não mandamos em nossa própria casa, e, não acredito em previsões e nem em alguém com quem cometeria pecados que não passassem de vagas promessas, por isso, vou deixar portas e janelas abertas para o sol entrar e o blues sair, colocar as roupas úmidas no varal, porque tem sol, tem blues e é domingo, porque encontrarei amigos num almoço e alguns desses novos amigos são bebês que acham graça nas vozes que faço, nas músicas que canto. Riem de coisas bobas, e, com eles não poderei discutir crise hídrica, manifestações, desemprego, afinal, são bebês, é domingo e tem sol.
Nessa força de envelhecer, como disse Mathieu Lindon, com ela a morte entra na ordem das coisas. Tenho vontade de entrar no mar nesta manhã de sol, deixar o corpo à deriva. Um poeta me contou dos seus poemas que são sobre corpos e corpos mortos, de certa forma em dança uns sobre os outros. Que ele se inspirou em Debussy e suas 'Danças sacras e profanas'. Queria convidá-lo para deixar também seu corpo à deriva ao mar, que fossemos pescar num rio sem peixes, pois as chuvas sempre preenchem os rios. Ah, eu quis beijá-lo, eu que não acredito em previsões, mesmo que seu beijo me fizesse morrer um pouco, mesmo que fosse para doar a parte da asa que falta nele, porque se ave fosse, estaria trocando penas.
Há blues no domingo. Há uma manhã de sol. Há cartas e e-mails para serem respondidos. Há fotos de viagens, partituras e envelopes brancos na escrivaninha. Há quadros. Livros para serem lidos. Há uma abelha sobre meu pão doce e o açúcar silencia o seu zumbido. Teve um vagalume ontem a noite dentro do quarto e o cão achou estranho, ele, tão urbano, como eu. Por isso, quero coisas simples, como pescar num rio sem peixes, um domingo de sol, entrar no mar, uma abelha no meu pão doce. Porque tenho medo da morte. Da velhice. Do fim do mundo. De quantidade. Do amor. Da falta de. Medo que acabe.
(by, franck)
(imagem: franck)

Um comentário:

  1. Há música, há leveza, há tanta alegria no domingo! Pena que ele realmente acaba. Só não acaba a vida enquanto tivermos todas as possibilidade de ver como lindamente ela pode ser vivida!!

    Grande abraço

    www.lucadantas.blogspot.com.br

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