sexta-feira, 9 de abril de 2010

Achados & Perdidos (II)


Mais uma cartinha encontrada nas minhas gavetas, não sei se enviada; esta, com um poema de Borges:

O NOSSO
Amamos o que não conhecemos, o já perdido.
O bairro que foi arredores.
Os antigos que não nos decepcionarão mais
por que são mito e esplendor.
Os seis volumes de Schopenhauer que jamais terminamos de ler.
A saudade, não a leitura, do segundo volume do Quixote.
O Oriente que, na verdade, não existe para o Afegão, o Persa ou o Tártaro.
Os mais velhos, com quem não conseguiríamos conversar durante um quarto de
hora.
As mutantes formas da memória, que está feito do esquecido.
Os idiomas que mal deciframos.
Um ou outro verso latino ou saxão que não é mais que um hábito.
Os amigos que não podem faltar porque já morreram.
O ilimitado nome de Shakespeare.
A mulher que está a nosso lado e que é tão diversa.
O xadrez e a álgebra, que não sei.
(Jorge Luis Borges - Trad: C. Teixeira, W. Costa e R. Antelo)


Eis o Borges. Acho que me diz muito este texto (como tantos dele) e, como tantos dele, talvez diga mais ainda de mim. Diante de um comercial de alianças de diamantes que mostra um lindo casal que viveu juntos dez anos, investi-me em tragédia: não seria todo o amor fadado à dor , uma vez que (enquanto apaixonar-se por outrem), amar um ser humano é amar o falível, o volúvel, o inconstante e tantas vezes o mundano? Clarice (a Lispector), diz da doçura de se ser falível. Mas ainda que amemos o falível, que dirá o mortal? os amantes morrem, deixam de existir um para o outro um dia. Será possível amar mais esta fabilidade do homem, amar sua condição mortal e até sua morte? Meio Sartreano, isso. Acabei de reler "As moscas", e achei um pouco didático demais. Ouvi uma palestra um dia sobre ' a moral em Sartre" onde disseram que ele falava do amor como relação de poder entre dois indivíduos, e enfatizava o papel da dominação e do olhar na sedução ( que é uma dominação). Mas, parafraseando Clarice ( a Lispector), talvez ele nunca tenha sabido como é bom ser dominado? é bom, ser dominado, 'dominado'? difícil pensar isso assim, 'a salvo', além de que as pessoas andam amorais, aéticas, podres. Não se pode jogar esse jogo sem pôr sua cabeça a prêmio...
(não encontrei o final da carta...)

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