terça-feira, 6 de abril de 2010

Devaneios

Uma garoa caia nessa Ilha de tanto sol, caminhava por suas ruas estreitas de paralelepidos e casarões, bem cedinho, quando surgiu um grupo de uns seis ou sete rapazes e moças: barbudos, vestes longas e marrons, sacolas de lona nas mãos; certamente de algum convento do centro da cidade, provavelmente iriam à alguma igreja (temos inúmeras). Uma cena cinematografica. Sem querer, comecei a fazer parte daquele exótico grupo, caminhavámos juntos, e, de repente, num cruzamento, surge um carro e um dos rapazes ficou com medo de atravessar e ser atropelado. Não resistir: - Porquê o medo? - perguntei - se morrer não irá para o céu?. Ele respondeu: - Ainda há o purgátorio - No quê retruquei: - Ué, o purgátorio não é aqui? - Parafreseando sartre, naturalmente, quando ele disse que o inferno são os outros.
Lembrei agora que escrevi um poema que surgiu desses devaneios e que serve para ilustrar esse acontecimento:

Sempre me apanho em devaneios largos
ou as coisas me apanham: um tropeção, o bom dia velho de todas as manhãs
ou mesmo um miserável anônimo.
Ontem foi um velho sem uma das pernas
esta manhã presenteou-me com uma menina e um bebê que ela carregava
não vi seus olhos
(e eu sei, ela os tinha, quem não os tinha era eu);
rápido, tirei uma nota dobrada e entreguei a ela
que assentiu todos tão conformados, ela e eu, o devaneio e o bebê
olhando sem surpresa para a fila de carros
(que a ela deveria parecer interminável).
Pressinto: passarão os anos, eu por eles talvez mais que eles por mim
e enfim, o reverso virá: serei eu o anônimo no vaso comunicante das misérias.

2 comentários:

  1. Camarada de Palavras,

    "Vaso comunicante de misérias". Isto me lembrou a última frase de Brás Cubas.

    Abraços,

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  2. qlq semelhança é mera coincidência, viu? abçs!

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(Quem dá a volta ao zodíaco comigo...)

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