sábado, 10 de abril de 2010

Porquê poemas, chiclete & som?


Por que o título tão pop desse blog? me perguntaram, e, na verdade quis fazer uma homenagem ao meu escritor (um dos, vai) preferido, Caio Fernando Abreu, pois ele tem um conto intitulado 'Loucura, chiclete & som', que adoro, o conto vem em sequências, como num filme, com cenas do personagem durante dia/noite; adoraria colocar o conto aqui, mas é longo, e, por que não continuar com minha homenagem e deixar um outro conto de Caio? Segue nessa mesma linha pop, como alguém definiu o nome do blog. Eis:

DE VÁRIAS CORES, RETALHOS

" Logo de manhã bem cedo, a mãe parou espantada na porta do quarto do filho. Um rolinho chegou a desprender-se do cabelo, deslizar ombro abaixo e escorregar pela escada, pinguepongueando. Chamou o pai, que veio sonolento, coçando a barriga, o ar de quem tinha tido pesadelos negros. Ficaram os dois olhando a porta do quarto do filho. A porta do quarto do filho estava fechada pelo lado de dentro. No lado de fora, para onde o pai e mãe olhavam espantados, certamente o próprio filho, pois não havia ninguém mais na casa capaz de tais absurdos, grafitara em letras grandes, tortas, coloridas:
VOCÊS NÃO TAO COM NADA
O tao estava escrito assim mesmo, sem til, e o pai, professor de português, ficou escandalizado. "Além de desaforado, burro", comentou.
Mas a mãe lembrou que o filho vivia às voltas com um livro cheio de letras chinesas na capa chamado justamente Tao, e lembrou ao pai que podia ser uma referência ao livro, não ao verbo estar. um livro estranho- ela ficou pensando enquanto o pai não respondia -, parecia coisa meio religiosa, umbanda talvez, aqueles exotismos do filho, mania de não comer carne, panos nas paredes, sininhos, baralhos com figuras esquisitas, posters de discos-voadores e Raul Seixas pelo quarto, aquela mistura de bazar persa com acampamento cigano mais uma pitada de terreiro.
O pai e mãe bateram na porta delicadamente, depois menos delicadamente, depois nem um pouco delicadamente. O pai tentou abrir por fora, mas não conseguiu. Empurrou com o ombro, mas parecia que tinha uma coisa pesada prendendo por dentro. A mãe teve certeza que o filho empurrara a estante contra a porta. e os dois sempre se sentiam tão cansados pela manhã, e tinham tantos pesadelos à noite, tanto barulho dos carros lá fora, tantas dívidas, tantos perigos no futuro incerto, enfim: eles não tinham energia para sequer tentar derrubar aquela porta.
Então a mãe foi chamar o outro filho, que jogava basquete e tinha ombros largos, músculos forte e uma cara rosada de universitário anos 50, só que moreno. O outro filho veio sem muito saco, empurrou a porta devagar com um daqueles ombros enormes, depois coçou a cabeça e sugeriu que dessem a volta na casa para tentar abrir a janela. Tinha jogo à noite, não podia correr o risco de uma distenção, ainda mais por causa daquele babaca.
O pai, a mãe e o outro filho deram a volta na casa e tentaram a tal janela. Ma s a janela também estava trancada - parecia ter ferros, correntes, cadeados, grilhões. A mãe ficou indecisa entre desmaiar, ter um ataque de choro ou fazer um café bem forte. O pai só balançava a cabeça e coçava a barriga, repetindo meu-deus-o-que-foi-que-esse-rapaz-aprontou? O outro filho bocejava, fazendo alguns exercícios para desenvolver as coxas. Até que de repente, tocou a campainha, o telefone, o cachorro começou a latir, chegou o jornal, a diarista, tudo ao mesmo tempo - e não se sabe bem como, em menos de quinze minutos a casa estav cheia de vizinhos, parentes e curiosos subindo, descendo escadas, fechando, abrindo gavetas, contando anedotas, fazendo chás e cafés. Como se fosse uma festa. Ou um velório.
A mãe soluçava no ombro de uma vizinha, lembrando um por um de todos os atos do dia anterior, e gemia o-que-foi-que-eu-fiz-de-errado-para-merecer-isso-sempre-fui-a-melhor-das-mães. Alguém mais prático achou que não podiam ficar nisso o dia inteiro, ainda mais agora que havia chegado a televisão, fotográfos e uns vinte repórteres pedindo cafezinho. Outro insinuou que o filho podia estar morto, suicidado, enforcado, pulsos cortados - mas não havia sangue no corredor -, uma dose excessiva de barbitúricos, esses jovens, nunca se sabe do que são capazes, acalentamos uma víbora em nosso seio, ânimo, querida, esquizofrênico, paranóico, nem falar falava, nunca - nunca se sabe.
E já que eram tantos, e que a suposta estante sustentando a porta por dentro não seria mais forte que a força de todos eles juntos - reuniram-se e começaram a fazer força. Não foi difícil. A porta logo abriu-se, cinematográfica, enquanto os mais dramáticos desmaiavam, flashes estouravam e as luzes quentíssimas da tevê acenderam-se, revelando o interior vazio. Quer dizer, vazio de gente, pois tudo estava nos lugares, surpreendentemente limpo, a cama - milagre! - feita, plantas - as descaradas, ele até conversava com elas -, livros, roupas nos armários. Só faltava a flauta doce, o poster de Raul Seixas e aquele tal livro do Tao. Ah, e o filho, naturalmente.
Depois de alguns ohs! e ahs! em catatonia coletiva, encontraram um bilhete na cabeceira. Dizia assim: "Quanto mais conheço minha família, mais entendo Franz Kafka". O pai e a mãe não entenderam direito, quem era mesmo esse tal Franz? mas um jornalista de segundo caderno lembrou que o mistérioso rapaz poderia ter-se transformado num inseto, uma barata, por exemplo, esses jovens sempre tão imprevisíveis, são capazes de tudo só para chocar os outros. Jogaram todas as almofadas para cima, tiraram todos os discos das capas, os livros das estantes, as roupas do guarda-roupa - mas nenhum inseto digno de nota foi encontrado, também porque a casa fora dedetizada não fazia nem dez dias, lembrou o irmão.
Só depois que todos se foram, pois não havia nada a fazer além de registrar queixa de desaparecimento, e a casa ficou em silêncio, e era quase meio-dia, a mãe veio abrir a janela pensando em debruçar-se pensativa para que os vizinhos a vissem assim, "uma mulher acabada", diriam- e então viu as penas. No peitoril, do lado de dentro, uma porção de penas, dessas mesmo de ave, não de espanador. De uma ave que ela não conhecia. Penas grandes, de muitas cores e formas, desenhos coloridos como nunca vira, nem em desenho nem em bicho vivo. Algumas estavam manchadas de sangue. Era como se um grande pássaro tivesse se debatido horas entre as paredes daquele quarto, até fugir. a mãe só não entendia como, porque a janela ficara fechada até que ela a abrisse, cinco minutos atrás.
Ela suspirou, a mão no peito. Então um ventinho entrou pela janela aberta, arrepiou algumas penas caídas e fez tilintar os sete sininhos dourados suspensos por um fio. O filho dizia sempre que tinham sido enviados do Tibet por alguém muito especial. E que eam mágicos."
(Do livro Ovelhas Negras - Editora Sulina- Pags:100 a 104)

6 comentários:

  1. Parabéns Pelo Blog.

    Espero Voltar mas Veses aqui
    Abraço

    =P

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  2. obg...então, volte sempre... abçs!

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  3. Obrigado pela visita, Franck e parabéns pela beleza poética do seu blog!
    Abço

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  4. Caio Fernando Abreu... bela pedida!

    Então seu blog é pop? Ops... tenho pois um viés pop!

    Abraços,

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  5. Se até o Papa é pop (segundo os "Engenheiros do Havaí"), pq não podemos ser?... abçs!

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  6. Hunn...
    agora estou indo,
    volto pra ler com calma.
    Bjins sonhos e delírios

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