segunda-feira, 3 de maio de 2010

Para um alguém em Buenos Aíres (II)


As cartas envelhecem como as pessoas, ou os vinhos. Tenho várias cartas na minha casa, envelhecidas não sei de que forma, pois já há tempos que não as vejo, mas que, eventualmente, reencontro e envio para você decidir se as degusta ou se apieda delas. Ou ambos.
Mas por que este assunto agora? Por que pensei em te escrever, e pensei: por que se escreve uma carta para alguém? Ou deveria dizer para um determinado alguém, já que alguém dificilmente são iguais? Mas decidi agora: não penso mais nada. Escolho aqui do meu (que em poucos sentidos realmente me pertence) livro do Fernando Pessoa uma citação para entremear esta cartinha. Eis:
"O pastor amoroso perdeu o cajado,
e as ovelhas tresmalharam-se pela encosta,
e, de tanto pensar, nem tocou a flauta que trouxe para tocar.
Ninguém lhe apareceu ou desapareceu. Nunca mais encontrou o cajado.
Outros, praguejando contra ele, recolheram-lhe as ovelhas.
Ninguém o tinha amado, afinal".
(O pastor amoroso)
Não sei por que cargas ´d'água (bonita expressão) queria esta carta carregada, melhor, recheada de citações. Mas o acaso - ou o destino - encarregou-se de dizer pela voz de Fernando Pessoa aquilo que eu queria te dizer, ou não?
Bem, chega destes brinquedos de decifrar, isso me lembrou aquela pessoa de Recife, lembra? Ele falou uma vez que nós estávamos 'brincando de seduzir'. Nunca mais falei com ele, ele tinha se apaixonado por mim, quase nos encontramos em Pirinópolis, mas ele disse que o telefone estava sempre ocupado (num email meio desesperado, sem pontuação, um fluxo meio joyceano ou pretensamante tal).
E as coisas aqui, como estão? Em processo, é o melhor que digo. A casa, meus empregos, eu, tudo em processo. Estive doente, quize dias de licença que foram bons, para mim, ajudou-me a enxergar mais e melhor alguns dos meus processos, e, não é pela dor ou pelo sofrimento, é como se desobstruísse alguma coisa interior. Uma coisa bonita, precisa ver.
Eu gostaria é saber de você, como andam suas coisas, em processo? ou em estagnação? Quais são suas palavras para mim? São para mim, para que? Olhos, ouvidos, boca, mente, coração? Sexo? ele anda fiel a mim, por falar nele, lembrei dos nossos longos beijos de despedida, onde você quase me engolia, naquele saguão meio às escuras, parece coisa de filme, lembrando assim, hoje.
Mas o que eu quero saber é de você. Diga assim que puder. O teatro. Sua viagem. Seus dias. Suas noites... Em alto e o bom som, diga assim que puder.
Beijos.

Um comentário:

  1. Sua carta poderia ser um poema.
    Muito apaixonante o que escreveu.
    Abraço Franck!!

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